segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Por que ocorrem tantos raios em Campo Grande?

Por Evandro Moimaz Anselmo
Bacharel e Mestre em Física pela UFMS

Os fenômenos elétricos na atmosfera, além dos benefícios para a natureza, são causadores de inúmeros prejuízos para a sociedade contemporânea, principalmente nas grandes cidades em que o “progresso” reflete em grandes ilhas de calor que intensificam os processos de formação e ascensão das nuvens.

As nuvens responsáveis pela geração de descargas elétricas são produzidas por fortes convecções na troposfera, elevando parcelas de ar úmido da superfície terrestre para altitudes de até 12 km. Essas nuvens são classificadas como cumuloninbus.

A eletrificação das nuvens de tempestades ainda não é algo completamente entendido, porém, experimentos relacionados à simulação de nuvens em laboratório mostram que os processos de eletrificação dependem da formação de gelo, da temperatura do ambiente, do conteúdo de água líquida da nuvem, da velocidade de colisão entre os hidrometeoros [1] e dos tamanhos dos cristais de gelo [2,3].

Campo Grande está localizada em uma região próxima à linha do Equador e praticamente no centro da América do Sul, dois fatores favoráveis para a ocorrência de descargas atmosféricas. Primeiro, regiões equatoriais são mais aquecidas pela radiação solar, o que intensifica a evaporação da água na superfície terrestre e favorece a formação de correntes ascendentes, as térmicas, processos fundamentais para a formação de uma nuvem. Segundo, devido à distância ao oceano, a umidade relativa do ar é mais baixa, o que dificulta a condensação das parcelas de ar que compõem a nuvem. Desta forma, a base das nuvens sobre Campo Grande tendem a ser mais elevadas, pois precisam alcançar regiões mais frias da troposfera para que o vapor d'água comece a condensar.

Assim que uma cumuloninbus evolui dos estágios de condensação da água até a glaciação [2], poderá separar cargas elétricas em seu interior, gerando intensos campos elétricos que podem quebrar o isolamento elétrico do ar dando início a um relâmpago. Os relâmpagos são descargas elétricas atmosféricas com intensa corrente elétrica ocorrendo com mais frequência devido à separação de cargas no interior das nuvens de tempestades, porém, são também identificados em tempestades de areia, neve e atividades vulcânicas.

Os relâmpagos podem ocorrer da nuvem para o solo, sendo denominados nuvem-solo (NS), do solo para a nuvem, denominados solo-nuvem (SN), entre as nuvens (EN) ou dentro de uma mesma nuvem, classificados como intranuvem (IN), e também da nuvem para a atmosfera, sendo classificados como relâmpagos no ar (NA). Os relâmpagos SN também são denominados de relâmpagos nuvem-solo positivo, devido à corrente elétrica dessas descargas possuírem sentido contrário às correntes dos relâmpagos NS, assim, as descargas que envolvem a nuvem e o solo podem ser classificadas como relâmpagos nuvemsolo positivo (NS+) e relâmpagos nuvem-solo negativos (NS-). Os relâmpagos que envolvem a nuvem e o solo também são classificados como raios.

De todos os tipos de relâmpagos, os intranuvem são os mais frequentes, devido às regiões de cargas opostas estarem mais próximas. As descargas intranuvens representam cerca de 80% do número total de relâmpagos. Dentre os outros tipos de relâmpagos, os mais frequentes são os relâmpagos nuvem-solo, sendo os demais comparativamente raros.

Entre 2007 e 2009, o Laboratório de Ciências Atmosféricas (LCA), pertencente ao Departamento de Física (DFI) da UFMS, realizou uma pesquisa inédita no estado de Mato Grosso do Sul, monitorando algumas tempestades na região urbana de Campo Grande e obtendo a razão Z entre o número de relâmpagos intranuvens (nIN) e nuvem-solo (nNS). Essa metodologia é bastante utilizada na investigação da atividade elétrica de tempestades, pois proporciona o levantamento de uma extensa quantidade de informações, como, por exemplo: avaliar altura da base das nuvens, estimar a produção de NOX associada aos relâmpagos, avaliar a cinemática das partículas da nuvem e contribuir no estudo da microfísica dos processos de separação de cargas das nuvens, entre outros.

Durante a pesquisa, foram monitoradas 26 tempestades ocorridas na cidade de Campo Grande. No início das tempestades, observou-se predomínio de descargas intranuvens, até que as descargas NS começam a ocorrer. Já no estágio dissipativo, o número de intranuvens torna a aumentar.

Apesar de a ocorrência de tempestades ser maior no verão, as maiores taxas de relâmpagos concentram-se no período seco do ano, sendo essas dominadas descargas intranuvens. A tabela 1 mostra os valores de Z médio, obtidos em cada estação do ano. 

Os elevados valores da razão entre os relâmpagos intranuvens e nuvem-solo (Z) obtidos para a cidade de Campo Grande - MS, estão estreitamente relacionados aos estágios iniciais e dissipativos das tempestades monitoradas, nos quais observa-se um crescimento desproporcional da taxa de relâmpagos intranuvens em relação ao desenvolvimento da taxa de relâmpagos nuvemsolo, indicando que as tempestades incidentes em Campo Grande - MS possuem grande desenvolvimento vertical principalmente no período seco do ano. Foram obtidas taxas de relâmpagos de até (29 ± 5) min-1, valores que correspondem às taxas de elâmpagos que precedem a formação de tornados em tempestades severas registradas em Oklahoma, Estados Unidos.


Para conferir a matéria na íntegra, acesse a quinta edição do informativo Principia. Lá você encontrará as imagens e tabelas que completam essa interessante produção, além de muitas outras que foram ao ar em 2009.  Boa leitura!