domingo, 2 de novembro de 2014

Ponto de vista: Evolução e Diversidade

Em biologia a palavra evolução tem o significado básico de mudança, não importando a direção ou sentido. Diversidade, por sua vez, é uma palavra relacionada a existência de algum tipo de variação. É sabido que a evolução decorre do efeito da seleção natural sobre a variação existente nos organismos e, no caso, essa diversidade é genética.


Para ecológicos e ambientalistas a diversidade é principalmente a diversidade de espécies. Os dois termos estão em voga nesse momento, como se pode ver pelo tema desse número do jornal. O conceito de evolução por seleção natural foi proposto há quase 150 anos por Charles Darwin e, desde então, vem sofrendo uma série de ataques, sejam eles pertinentes, ou não. Dentre esses últimos estão os ataques dos fundamentalistas cristãos que pretendem equiparar a teologia criacionista às teorias cientificas embasadas em vasta quantidade de dados, experimentais ou não.

Paralelamente, os defensores da manutenção da diversidade de espécies atribuem valores absoluto a cada espécie existente. Os dois grupos se assemelham na sacralidade que atribuem à ideia de espécies. Os criacionistas consideram que as espécies foram criadas pela divindade demiúrgica e, portanto, fazem parte da obra divina, enquanto os defensores da diversidade consideram a perda de espécies como um passo para a catástrofe – digamos que algo próximo de um juízo final, no qual a “mãe natureza” se vingara das afrontas sofridas. Considerando-se que a vida deve ter se originado de uma forma primordial há mais de três bilhões e meio de anos, será que o processo evolutivo levou ao aumento, mesmo que não contínuo, da diversidade de formas vivas? Os fósseis descobertos nos últimos cento e tantos anos parecem dizer que não.


No início do Cambriano, parecem ter existido mais tipos gerais de morfologia animal – filos e classes no jargão biológico – que em todo o período após essa época. Todo os filos atuais já estavam presentes no Cambriano, mas apenas alguns persistem até hoje. Esses fatos mostram que depois de um período de ebulição evolutiva inicial, vários filos desaparecem progressivamente e nenhum filo novo os substituiu. Em outras palavras, a diversidade de tipos gerais de animais parece estar diminuindo e, independentemente das causas da extinção desses tipos de organismos, o fato é que a história evolutiva do planeta sugere que teremos progressivamente cada vez menor variedade de tipos de animais. Talvez nós estejamos assistindo um desses eventos de mega-extinção, em função dos impactos ambientais das ações humanas. A perda da diversidade é um mal em si para o funcionamento do planeta? A diversidade de espécies – mas não de filos – em um dado momento, em um dado ambiente, é o resultado de diversos fatores entre os quais a previsibilidade do ambiente. Nesses ambientes mais previsíveis os ciclos de vida podem ser ajustados de forma mais precisa e um maior número de organismos altamente especializados pode coexistir.


Contudo, esses sistemas com alta diversidade são pouco estáveis – têm baixa capacidade de voltar à condição anterior à perturbação. Em contrapartida sistemas com poucas espécies são mais estáveis – voltam mais facilmente à condição pré-perturbação e parece ser sistemas simples que saem os organismos que compõem sistemas complexos novos em substituições aos que foram destruídos por catástrofes. Mas o que são espécies? Do ponto de vista prático é um tipo de organismos que é reconhecido como diferente de todos os outros – este é o conceito dito tipológico de espécies. Embora esse conceito seja freqüentemente associado à doutrina da fixidez das espécies, vigentes no período pré-darwiniano, isso não é necessariamente assim. Outro conceito é o chamado conceito biológico de espécie que considera que duas populações pertencem a espécies diferentes quando não puderem trocar genes entre si, nem potencialmente.


Organismos que reconhecemos como sendo, sem sombra de dúvida, pertencentes a tipos diferentes, são aqueles que estão isolados reprodutivamente há muito tempo e se diferenciaram bastante.

Resumindo, o conceito tipológico não dá conta da variação intrínseca existente entre os seres vivos, mas é prático, enquanto o conceito biológico só funciona bem onde o tipológico também funciona. Em resumo, o conceito biológico de espécies é uma inutilidade. Termino este texto com uma provocação: Para este autor, espécies são apenas nomes – como, aliais, os filósofos nominalistas já diziam há muito tempo. Sendo assim, os criacionistas, com sua convicção da criação divina das espécies e os ambientalistas defendendo sua preservação a ferro e fogo, estão lutando por bolhas de sabão.

Como aqui não há espaço para desenvolver mais o assunto, quero acrescentar que o isolamento reprodutivo não é uma característica populacional, mas individual. Duas populações se isolam reprodutivamente se os indivíduos que rejeitam cópulas com membros do(s) outro(s) grupo(s) forem aqueles que apresentam maior sucesso reprodutivo. Caso de isolamento reprodutivo parcial entre populações, de gradientes de isolamento e de quebra de isolamento são conhecidos na literatura.


Frederico Santos Lopes: Prof. Adjunto IV do Departamento de Biologia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1975. Mestre em Ecologia pela UNICAMP em 1984 e Doutor em Ciências – área de Ecologia – pela UNICAMP em 1991.

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